“Em 2019 conseguimos um poço e ficamos muito felizes por que não iria mais precisar beber a água do rio que já estava contaminada, a gente já desconfiava disso, mas hoje temos a comprovação, nosso poço também já está contaminado”
Ariomara Alves- Território Barra da Lagoa, Santa Filomena- PI
O Agro é tóxico! Essa é a real afirmação quando falamos do agronegócio e seus impactos negativos no meio ambiente e na vida dos diversos povos que vivem cercados por grandes projetos de monoculturas no país.
No Piauí, comunidade e povos tradicionais sãos os guardiões e guardiãs da biodiversidade do cerrado, no entanto tem sofrido com as violações de direitos, ameaças de morte, tentativas de homicídio, desmatamentos ilegais e contaminação de nascentes e brejos por agrotóxico, causadas pelo avanço do agronegócio na região.
Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, da qual a Comissão Pastoral da Terra faz parte, lançou a publicação “Vivendo em territórios contaminados: Um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado” dia 30 de maio de 2023. O material é resultado da “pesquisa-ação” que realizou análises toxicológicas e ambientais sobre a qualidade das águas, entre 2021 e 2022 em sete territórios do cerrado afetados pela expansão de monocultivos de soja e o uso de grandes quantidades de agrotóxico nos estados de Tocantins, Maranhão, Goiás, Mato Grosso, Mato grosso do Sul, Bahia e Piauí. A pesquisa foi feita em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, organizações sociais e a contribuição direta de moradores das áreas selecionadas. Os estudos identificaram a presença e contaminação por agrotóxicos dessas águas em todos os territórios pesquisados, entre eles o território Barra da Lagoa, município de Santa Filomena, sul do Piauí.
O território Barra da Lagoa, localizado a mais de 1000km da capital foi uma das áreas pesquisadas. No território, 12 famílias vivem com os saberes do cerrado no plantar, colher, pescar, cozinhar, produzir, no entanto, estão sendo ameaçados pela insegurança jurídica de suas terras, pelo cerceamento do agronegócio e ameaças de capangas armados das fazendas de soja da região que seguem amedrontando a população e muitas vezes interrompendo o direito de ir e vir das comunidades. Para mais, conviver com seus corpos d’água e seus corpos-territórios contaminados por herbicidas como o glifosato, o 2,4-D e outros inseticidas e fungicidas encontrados nas análises das águas, inclusive no poço da própria comunidade como afirma Ariomara Alves do território Barra da Lagoa, “a gente já desconfiava disso, mas hoje temos a comprovação, nosso poço está contaminado”.
Audiência Pública na Câmara dos Deputados em Brasília
O dossiê publicado, foi apresentado em denúncia durante audiência pública à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, ocorrida dia 01 de junho na Câmara dos Deputados em Brasília-DF.
Estamos vivendo uma pandemia de veneno – denuncia Divanise das Chagas, comunidades Geraiseiras- BA. Mais de 1800 ingredientes ativos (IA) foram liberados em quatro anos de desgoverno, entre 2018 e 2022, segundo a campanha permanente contra o agrotóxico, e agora, no final de junho uma nova portaria do Ministério da Agricultura e Pecuária foi publicada com a liberação de mais 55 registros de agrotóxicos, o que totaliza 157 agrotóxicos liberados desde o início do ano, no governo Lula.
As águas pesquisadas nas comunidades são utilizadas pelos povos para beber, lavar, banhar, irrigar hortas, dessedentação de animais entre outros, os estudos mostraram a presença e contaminação por agrotóxicos dessas águas em todos os territórios pesquisados, em alguns casos, até 9 agrotóxicos diferentes nas amostras retiradas entre nascentes, brejos, e mesmo em poços comunitários.
A coordenadora colegiada da CPT no Piauí, Mercês Alves destaca que a contaminação das águas vai além dos locais selecionados na pesquisa comprometendo também rios importantes para o abastecimento e água no Piauí já que os resíduos dos venenos usados nas lavouras de soja não são descartados de acordo com a política nacional de resíduos sólidos (Lei 12.305/2010) as áreas do cerrado próximas as comunidades e nascentes estão sendo transformadas em cemitérios do agrotóxico, virando um “lixão”, onde são depositados os dejetos (do agrotóxico), isso contamina não só as águas onde foram realizadas a pesquisa, mas também contamina os principais rios do estado..
Diante disso representantes do coletivo de povos e comunidades tradicionais do cerrado no Piauí, que incluem 16 comunidades e territórios, se reuniram durante os dias 21 e 22 de junho na capital do estado, Teresina, para juntos denunciarem a realidade do chão em que vivem.
Foram realizados várias visitas e reunião aos órgãos do estado exigindo maior compromisso com os povos tradicionais em seus processos e regularização de terras e sobretudo com relação à saúde desses corpos d’água e desses corpos territórios que já estão adoecidos e contaminados e precisam de maior atenção e cuidado do Estado.
Numa das reuniões realizadas durantes esses dias, o relatório técnico do dossiê sobre agrotóxicos do cerrado foi entregue ao promotor de justiça Marcio Carcará, a partir desse documento de denúncia da contaminação das águas nas comunidades tradicionais do Piauí por agrotóxico serão reforçadas as reivindicações aos órgãos estaduais e federais com todas demandas levantadas pelo coletivo.