As estratégias de invisibilizar os povos tradicionais seguem sendo prioridade para o governo e para seus aliados.  A Fundação Palmares, órgão do governo federal responsável por expedir a certidão de autorreconhecimento de um território como quilombola além de dificultar esse reconhecimento das comunidades, ainda vai rever os certificados já emitidos. A retirada dos direitos dos povos quilombolas faz parte do projeto de morte desse governo. 

Por Alma Preta jornalismo

Texto: Nataly Simões | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Pedroza Neto/Amazônia Real

O presidente substituto da Fundação Cultural Palmares (FCP) Marco Antonio Evangelista assinou uma portaria que altera o processo de autorreconhecimento das comunidades quilombolas, que é o primeiro passo para um quilombo obter o título de terra.

 

 

A medida publicada no Diário Oficial da União (DOU) institui novas exigências para reconhecer comunidades como remanescentes de quilombo e permite que certificados de autodefinição já expedidos sejam revistos sem consulta aos quilombolas.

De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), as mudanças podem prejudicar cerca de 2.500 das mais de 6 mil comunidades quilombolas que buscam a certificação de seus territórios.

Como funciona o reconhecimento e o que muda

A Fundação Palmares é o órgão do governo federal responsável por expedir a certidão de autorreconhecimento de um território como quilombola. Após essa certidão ser expedida, a partir de análises técnicas o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) inicia o processo para oficializar a propriedade do território para a comunidade quilombola.

Com a nova portaria, para a análise dos pedidos de expedição de certidão de autorreconhecimento, será obrigatório que os quilombos apresentem um endereço de e-mail da comunidade, antes era possível enviar documentos pelos Correios. Para a Conaq, a mudança deve excluir territórios que não têm acesso à internet.

Outra exigência é a imposição de que as comunidades enviem à fundação um relato detalhado da trajetória comum do grupo, com a história da comunidade preferencialmente instruída com dados e documentos, o que nem sempre é de simples elaboração.

A mudança na regra também abre brecha para que órgãos que se opõem aos quilombos possam questionar a consistência do relato histórico feito pelas comunidades. Segundo a Conaq, como a portaria não cita qualquer elemento técnico que indique um histórico inconsistente, a Fundação Palmares terá “ampla e ilegal margem de discricionariedade para definir o que é esse tal de histórico inconsistente”.

A nova portaria também permite que a fundação revise certidões já expedidas, sem que para isso seja obrigada a dialogar com as comunidades quilombolas caso as certidões passem por esse processo de revisão de autodeclaração de identidades coletivas quilombolas.

“Mais burocracia, mais morosidade nas certidões e mais complacência com racistas que se opõem à plena liberdade de nossas comunidades em autodeclarar a identidade coletiva quilombola”, diz a coordenação executiva da associação que representa as comunidades quilombolas.

Foto: Carlos PenteadoFoto: Carlos Penteado

Governo Bolsonaro não consultou os quilombolas sobre mudança

A Conaq também reforçou que essa é mais uma ação feita pelo governo Bolsonaro sem consultar previamente os quilombolas. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) determina que o Estado tem a obrigação de consultar os povos tradicionais sempre que qualquer medida administrativa tiver a possibilidade de afetar as comunidades.

“Além da portaria ter sido construída sem consulta às comunidades quilombolas, burocratizou desnecessariamente o procedimento de expedição das certidões de autorreconhecimento”, salienta a coordenação executiva.

Atualmente, um grupo de trabalho instituído por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) debate questões que envolvem a Conaq e a Fundação Palmares, como o procedimento para denúncia de violação de direitos de quilombolas, mas segundo a associação a portaria publicada nesta semana não foi levada à discussão.