Amanhã, 15 de fevereiro, no Centro de Pós-Graduação da Universidade de Nova York (Graduate Center, CUNY), nos Estados Unidos da América, com início às 10 horas (no horário norte-americano) dará inicio a segunda edição do Seminário Internacional “Fundos de Pensões, Mercados Financeiros e Especulação do Território”. Participam deste, pesquisadores sobre o uso do capital estrangeiro e a relação deste na questão agraria do Brasil. Movimentos sociais e estudiosos do Brasil, Canadá, Alemanha e EUA estarão presentes. A iniciativa integra uma campanha internacional com foco no papel do fundo de pensão TIAA-Cref.
(Por CPT Nacional com informações da GRAIN e Relatório “Fundos de pensão estrangeiros e captação de terras no Brasil” | Imagem: Reprodução/Relatório)
“Campanha internacional e a especulação de terras no Brasil” é o tema da primeira mesa de debates, que conta com mediação de Maria Luisa Mendonça, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, do Brasil. Logo após, Devlin Kuyek, membro da organização espanhola GRAIN, abordará o contexto internacional atual da especulação de terras agrícolas. Isolete Wichinieski, agente da Comissão Pastoral da Terra em Goiás (CPT-GO) e integrante da coordenação da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, e Fabio Pitta, também da Rede Social, apresentarão informações e estudos sobre a especulação de terras no Brasil.
O Piauí é um dos estados brasileiros onde empresas, através de fundos de pensão, encontraram um “solo fértil” para iniciar uma forte ofensiva, que atinge, sobretudo, os povos do campo. “A CPT se junta a várias organizações neste momento, nos EUA e na Europa, para denunciar o processo de grilagem das terras no Cerrado piauiense, região invisibilizada, e que é apresentada pelo governo como ouro para investidores estrangeiros do agronegócio e da especulação de terras. Mas é uma região que possui uma enorme riqueza cultural e de comunidades tradicionais. É necessário dar voz e vez para essa população e mostrar a importância de sua existência para a conservação do Cerrado”, analisa Isolete.
O relatório “Fundos de pensão estrangeiros e captação de terras no Brasil”, elaborado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, GRAIN, Inter Pares e Solidariedade Suécia – América Latina, foi lançado em novembro de 2015 durante o primeiro Seminário Internacional de Levantamento de Terras. E essa publicação é um dos principais subsídios desse segundo encontro. “Empresa de Nova York, responsável pela gestão da poupança de aposentadoria dos trabalhadores na Suécia, nos Estados Unidos e no Canadá, burla as leis de investimento estrangeiro no Brasil para adquirir terras agrícolas de empresário acusado de expulsar comunidades locais por meio de violência”, denuncia a publicação, que está disponível para download em português, inglês e francês.
Logo após a divulgação dessa publicação, o jornal norte-americano The New York Times reverberou a denúncia e destacou que o “fundo de pensão americano comprou terras irregularmente no Brasil”. Conforme o periódico, a “gigante norte-americana do investimento que administra as contas de aposentadoria de milhões de funcionários de universidades, professores de escolas públicas e outros trabalhadores, a TIAA-Cref se orgulha de promover valores socialmente responsáveis […], mas documentos demonstram que as incursões da TIAA-Cref à fronteira agrícola brasileira podem ter avançado na direção oposta. A gigante financeira e seus parceiros brasileiros despejaram centenas de milhões de dólares em aquisição de terras aráveis no Cerrado, uma imensa região à beira da floresta amazônica na qual vem acontecendo desmatamento em larga escala para expansão da agricultura, o que alimenta preocupações ambientais”.
Agente da CPT no Piauí, Altamiran Ribeiro, em texto publicado em outro relatório “A Empresa Radar S/A e a Especulação com Terras no Brasil”, destaca que historicamente o estado tem sofrido com a desigualdade, fruto de seus governantes, e que, “nos últimos vinte e oito anos, forçaram um ‘desenvolvimento’ destrutivo a qualquer preço, sem considerar impactos futuros na dignidade, cidadania e soberania da sociedade piauiense”, contextualiza. Ainda conforme o membro da Pastoral, os governantes, principalmente do estado, “venderam a ideia de que a região poderia ser alvo de apropriação de terras devolutas e mão de obra barata. Assim, concedeu créditos e incentivos fiscais para facilitar a grilagem de terras”. Com isso, segundo Ribeiro, as comunidades rurais foram e ainda estão sendo seriamente impactadas, sejam as da região do Semiárido – onde se concentra muito minério de ferro e urânio – e também as famílias que vivem no Cerrado, com suas terras férteis e muitas fontes de água. “Os moradores tradicionais dos Cerrados foram caracterizados como ‘incapazes e preguiçosos’. O estado piauiense atrai empresas de outras regiões do Brasil e de outros países, que exploram o povo e destroem as matas nativas com o envenenamento das terras”, ressalta Altamiran.
Para o agente de pastoral, a lógica de lucrar com negócios fundiários tem sido propagado, principalmente, pelo governo, que fala sobre a disponibilidade de “terras devolutas e desocupadas”. “Assim, as empresas que utilizam os Cerrados para a produção de monocultivos, expulsam os povos tradicionais, grilam, e especulam com terras, principalmente se apropriando de fontes de água dos rios e riachos. Grandes empresas como INSOLO, RADAR, JB Carbon, TELLUS, DAHMA, JLC, entre outras, se aproveitam da grilagem de terras. Isso ocorre com a conivência de cartórios da região [do Piauí] e de outros estados, que falsificam documentos, assim como órgãos estaduais e federais, que liberam desde licenças ambientais até créditos bancários e incentivos fiscais”, denuncia, na publicação, Altamiran Ribeiro.
Contudo, em setembro de 2017, representantes de organizações internacionais, pesquisadores e jornalistas estiveram no Brasil, mais precisamente no estado do Piauí, para, em conjunto com entidades brasileiras, como CPT, FIAN e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, realizarem uma Caravana com o objetivo de investigar as denúncias de violações de direitos humanos e impactos ambientais como resultado da financeirização do mercado de terras agricultáveis na região conhecida como Matopiba, que compreende áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Neste período, a delegação concentrou as atividades na região sul do Piauí, e foram realizadas Audiências Públicas no município de Corrente, com presença de promotores do Ministério Público Federal (MPF), e em Brasília (DF).
Após a Caravana, como encaminhamento, o MPF, por meio da Procuradoria da República no Estado do Piauí, do Grupo de Trabalho Cerrado da 4ª CCR, do Grupo de Trabalho Comunidades Tradicionais da 6ª CCR e do Grupo de Trabalho Terras Públicas, expediu uma recomendação ao diretor-geral do Instituto de Terras do Piauí (Interpi), Herbert Buenos Aires, e ao diretor do Banco Mundial para o Brasil, Martin Raiser, para que suspendam a aplicação da Lei Estadual nº 6.709/2015 (Lei de Regularização fundiária do Estado do Piauí), em relação às áreas ocupadas por povos e comunidades tradicionais na região que compreende o bioma Cerrado dos estados que compõem o projeto do Matopiba. Além disso, o juiz da Vara Agrária do Piauí já cancelou vários títulos de terras que continham algum tipo de irregularidade.
Fundos de pensão e terras brasileiras
Os fundos de pensão suecos, americanos e canadenses adquiriram terras agrícolas no Brasil por meio de um empresário brasileiro acusado de usar violência e fraude para expulsar os pequenos agricultores. Esses fundos de pensão também usam estruturas complexas da empresa que tem o efeito de evadir as leis brasileiras que restringem os investimentos estrangeiros em terras agrícolas nacionais.
Os fundos de pensão têm investido no Brasil através de um fundo de terras agrícolas global chamado TIAA-CREF Global Agriculture LLC (TCGA). O fundo é administrado pela Associação de Seguros e Anuidade da Fundação Teachers – College Retirement Equities Fund (TIAA-CREF), com sede nos EUA. Os que investem no fundo incluem o TIAA-CREF, o Segundo Fundo Sueco de Pensão Nacional (AP2) e a Caisse de dépôt et placement du Québec (CDP) e a British Columbia Investment Management Corporation (BcIMC) do Canadá.
Esses fundos de pensão se recusaram a divulgar informações detalhadas sobre as terras agrícolas adquiridas pela TCGA, dizendo que esta é uma “informação competitiva”. Eles afirmam, no entanto, que seus investimentos estão em total conformidade com os Princípios de Investimento Responsável em Terras Agrícolas, que foram co-fundados pela TIAA-CREF e pela AP2.
A falta de informação pública sobre a localização dos investimentos das terras agrícolas da TCGA no Brasil impediu investigações independentes anteriores para avaliar os investimentos da TCGA. Nas investigações contidas no relatório, no entanto, foi possível acessar documentos públicos que identificassem várias fazendas compradas por uma empresa criada especificamente para canalizar os investimentos da TCGA em terras agrícolas brasileiras. Embora essa informação não tenha sido suficiente para determinar a localização exata da maioria dessas fazendas ou para verificar sua existência, isso permitiu identificar quatro fazendas no sul dos estados do Maranhão e do Piauí, onde os conflitos por terra e a grilagem de terras são abundantes. Outras investigações revelaram que algumas das fazendas que a TCGA adquiriu nessas áreas eram de propriedade das empresas de um empresário brasileiro, que é objeto de várias investigações criminais, antes de serem vendidas para o TCGA. Este empresário é acusado de recorrer a um processo ilegal e muitas vezes violento de aquisição de terras, no Brasil definido como “grilagem”.
As investigações também descobriram como o TCGA usa uma estrutura de empresa complexa que evita as leis brasileiras que restringem o investimento estrangeiro em terras agrícolas. De acordo com a reportagem do The New York Times, investigações sobre a TIAA-Cref “demonstram que suas terras aráveis no Brasil chegaram aos 256.324 hectares em 2015, ante 104.359 em 2012, mais ou menos o momento em que a empresa começou a expandir suas transações, conduzidas por meio de uma joint venture com a Cosan, gigante brasileira do açúcar e biocombustíveis”. Ainda de acordo com a matéria, as duas empresas começaram a adquirir terras aráveis no Brasil em 2008, depois de formar uma joint venture chamada Radar Propriedades Agrícolas, com 81% de participação de uma subsidiária da TIAA-Cref e 19% da Cosan.
Além dessas violações aparentes contra a legislação brasileira, as investigações mostram que os investimentos da TCGA em terras agrícolas brasileiras estão contribuindo para um maior processo de especulação de terras e expansão de plantações de agricultura industrial que estão alimentando a captação de terras, destruição ambiental, exploração do trabalho e numerosas calamidades sociais e de saúde em todo o campo brasileiro.
As investigações que compõem o relatório sugerem que o TCGA não seguiu seus próprios padrões internos e não prosseguiu o “rigoroso processo de diligência” para suas aquisições de terras brasileiras que afirma ter seguido. Como o TIAA-CREF, o gerente da TCGA, é o investidor institucional mais importante do mundo em terras agrícolas e um ator líder, tanto no incentivo de outros gestores de fundos de pensão para investir em terras agrícolas como no desenvolvimento de padrões internos para tais investimentos, as conclusões deste relatório levantam serias dúvidas sobre a capacidade dos fundos de pensão para conseguir investimentos “responsáveis” nas terras agrícolas.
O relatório “Fundos de pensão estrangeiros e captação de terras no Brasil”, contudo, aponta que a TIAA-CREF, a AP2, a Caisse de dépôt et placement du Québec, o BcIMC e os outros fundos de pensão investidos na TCGA estão enganando os detentores de pensões cujas aposentadorias alegam que seus investimentos em terras agrícolas são “responsáveis”. “Eles devem imediatamente tomar medidas para alienar seus investimentos nas terras agrícolas e garantir que as terras que já adquiriram sejam devidamente retornadas às comunidades locais”, destaca a publicação.
Confira o Relatório completo Aqui .
O evento e o Relatório contam com o apoio de: The Center for Place, Culture and Politics – CUNY Graduate Center; ActionAid USA; Comissão Pastoral da Terra (Pastoral Land Commission, Brazil); FIAN International; Friends of the Earth, U.S.; GRAIN; Grassroots International (US); Maryknoll Office for Global Concerns; National Family Farm Coalition (US); Presbyterian Hunger Program – PC (USA); Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (Network for Social Justice and Human Rights, Brazil); WhyHunger (US).