Por Antônio Canuto*
Ele chegou no momento em que grandes empresas, sobretudo do Sul e Sudeste do país, se estabeleciam na região graças aos incentivos fiscais que lhes eram oferecidos pelo governo, para o ‘desenvolvimento’ da Amazônia. Este ‘desenvolvimento’ significava invadir terras indígenas, expulsar comunidades inteiras de posseiros, que há algumas décadas haviam se estabelecido na região em busca de um lugar para viver e trabalhar e trazer trabalhadores braçais, para a derrubada da mata, os chamados de peões, que eram submetidos a situações mais que precárias, muito similares ao trabalho escravo.
Isto que o restante do país desconhecia, ganhou visibilidade com a ordenação episcopal de Pedro como bispo. Naquele dia ele divulgou à Igreja do Brasil e a toda a sociedade sua carta pastoral: UMA IGREJA DA AMAZÔNIA EM CONFLITO COM O LATIFÚNDIO E A MARGINALIZAÇÃO SOCIAL. Nela ele apresentou o cenário da realidade em que a nova Prelazia de São Félix do Araguaia ia desenvolver suas atividades. E foram elencados, com documentos comprobatórios, os conflitos que viviam as comunidades de Santa Terezinha e Porto Alegre, no município de Luciara, e as comunidades de Serra Nova, Pontinópolis e núcleos menores à beira da estrada, no município de Barra do Garças. A Prelazia se resumia a pouco mais que isso.
A carta também descrevia os conflitos envolvendo os índios Xavante, com a superpoderosa fazenda Suiá Missu, os Tapirapé, com a Fazenda Tapiraguaia e a situação do Parque Nacional do Xingu.
O tratamento que era dispensado aos peões mereceu um capítulo à parte. Ele, ainda Administrador Apostólico da Prelazia, em 1970, havia divulgado um documento intitulado ESCRAVIDÃO E FEUDALISMO NO NORDESTE DE MATO GROSSO.
Não era a primeira vez que a Igreja se expressava em relação à terra no Brasil. A grande novidade da carta de Pedro é que, quase certamente, pela primeira vez um bispo se posicionava aberta e declaradamente a favor dos pequenos do campo, denunciando as arbitrariedades e barbaridades cometidas pelos grandes donos da terra. Nos documentos anteriores, por medo do comunismo, os bispos apelavam ao espírito cristão dos proprietários para que tivessem um comportamento mais humano com os seus trabalhadores. Pedro os denuncia com nome e sobrenome.
Esta carta teve grande repercussão em todo o Brasil e Pedro se tornou uma referência nacional quando o assunto da terra era debatido.
Os bispos da Amazônia puderam encontrar nesta carta um espelho de situações similares em suas Prelazias e Dioceses. Pedro então sugeriu que eles se encontrassem para partilharem entre si a situação que cada um vivia e para procurarem alguns caminhos comuns de enfrentamento desta realidade.
O encontro de bispos e prelados da Amazônia acabou acontecendo em junho de 1975, em Goiânia. Nele os presentes decidiram pela criação de uma Comissão que assessorasse, interligasse e motivasse as igrejas particulares a assumirem as causas dos homens e mulheres da terra. Essa comissão se tornou a COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – CPT. Pedro participou intensamente da vida da CPT, não faltando nunca às suas Assembleias. No período de 1981 a 1985 foi seu vice-presidente.
À medida em que eram abertas estradas, muitas pessoas de outras partes do Brasil chegavam à região e provocavam uma intensa migração interna. Pedro, com a equipe pastoral, acompanhava com atenção o que acontecia. Todos os posseiros e os sem terra sabiam que podiam contar com o apoio da Prelazia, na luta por adquirir um pedaço da terra que Deus criou para todos.
Em 1977, Pedro foi convocado a dar seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito, CPI, criada na Câmara Federal para “investigar as atividades ligadas ao sistema fundiário em todo o território nacional”. Pedro apresentou com detalhes e provas como índios, posseiros e peões eram tratados.
Entre os bispos Pedro ficou conhecido pela defesa forte que fazia do direito dos pequenos, sobretudo em relação à terra, e teve uma participação intensa nos debates em torno ao documento aprovado: IGREJA E PROBLEMAS DA TERRA, em 1980.
A Prelazia também acolheu os colonos que eram trazidos pelas colonizadoras. As arapucas que algumas armaram para os atrair, foram denunciadas, exigindo que respeitassem os seus direitos.
Posseiros X índios
Pedro sempre apoiou a luta dos indígenas na defesa de suas terras. Assim os Tapirapé, ao lado dos Karajá, conseguiram o reconhecimento da área onde viviam, na barra do rio Tapirapé com o Araguaia. E depois os Tapirapé puderam contar com apoio na sua luta pela recuperação de seu território antigo do Urubu Branco, nas proximidades com a Confresa. Se os índios tinham direito à sua terra, os posseiros que haviam se estabelecido dentro desta área, deveriam ser assentados em outros assentamentos. Era isso que Pedro sempre defendeu.
Uma situação que ganhou muita repercussão foi a da terra dos Xavante, na Suiá-Missu. Pedro quando chegou, ficou sabendo que dois anos antes os remanescentes de Xavante que existiam na região, onde se instalou a fazenda Suiá-Missu, haviam sido retirados de suas terras e transportados, em avião da FAB, para longe. Pedro acompanhou e apoiou a luta destes Xavante que queriam voltar para seu antigo território.
Quando se ficou sabendo que uma parte da fazenda tinha sido reservada para os Xavante, fazendeiros e políticos usaram de todos os estratagemas possíveis para evitar que voltassem. E buscaram centenas de famílias para o ocuparem a terra que era dos índios. A maior parte caiu na conversa deles.
Quando ao final, a Justiça decidiu que a terra era mesmo dos Xavante, Pedro que sempre foi o grande defensor dos pequenos, foi acusado de ser o responsável pela retirada das famílias que sabiam que ocupavam uma terra que era dos índios. E boa parte da opinião pública da região, ligada aos interesses dos grandes proprietários, influenciou muita gente da região, que acabou vendo em Pedro um inimigo dos pequenos. Até ameaças de morte ele chegou a receber.
Mas se hoje a região é o que é, o deve em grande parte à luta destemida de Pedro ao lado dos pequenos.
Alguém registrou algum benefício deixado pelas grandes empresas que receberam vultosos recursos dos incentivos fiscais? Alguma destas empresas continua na região?
*Publicado no Jornal Alvorada, edição especial, fevereiro de 2018./ *Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT.