Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Foto: Júlia Barbosa
“Presença, Resistência e Profecia
Na certeza de um novo dia
Romper cercas, tecer teias
Vai, CPT, com o povo em Romaria…”
(Banda Filhos da Mãe Terra)
Entre os dias 19 e 22 de junho, a Comissão Pastoral da Terra realizou a sua tradicional Semana Nacional de Formação, reunindo mais de uma centena de agentes no Centro Pastoral Dom Fernando, em Goiânia (GO), local em que a CPT foi criada, há exatos 49 anos. O momento foi de imersão nas pautas da pastoral, olhares sobre os desafios da realidade e um aquecimento dos corações e das forças para o início da comemoração dos 50 anos da CPT e a realização do V Congresso Nacional, a ser celebrado em julho de 2025, em São Luís (MA), sob o tema/lema “Presença, Resistência e Profecia – Romper Cercas, Tecer Teias: A Terra a Deus pertence.”
Presença junto aos povos: Os Rios da Vida da CPT
“Moço, Vamos subir o Rio, vamos subir o Rio, vamos subir o Rio…”
A programação começou com a mística da “Construção dos Rios da Vida da CPT”, organizada pelas muitas mãos de agentes de cada grande região, que trouxeram diversos símbolos da memória da caminhada e os mártires da terra. Confira detalhes dos Rios da Vida na Carta do Encontro Nacional de Formação.
Diversas experiências de presença, resistência e profecia vividas nestes 49 anos foram compartilhadas e celebradas, como a Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais (Grande Região Norte), a resistência das comunidades ribeirinhas (Noroeste), a luta e concretização da Reforma Agrária (Centro-Oeste), o enfrentamento aos grandes projetos de desenvolvimento e transição energética (Nordeste), a luta quilombola no Sudeste e a resistência da agroecologia no Sul.
“O encontro todo está sendo um momento de muita força e energia para a gente. Também fico muito feliz por encontrar gente jovem, que está continuando na luta e caminhando junto com o povo do campo,” afirmou Neide Martins, agente da CPT Ceará.
A agente Neide Martins (no centro), representando a CPT Regional Ceará. Foto: Heloísa Sousa
“Onde a CPT está? No lugar em que os pobres do campo sentem sede,junto das pessoas sem rosto, escravizadas e consideradas indigentes ‘pelo poder do latifúndio e ambição do capital’, a CPT bebe na fonte do Evangelho de Jesus de Nazaré. Essa é a espiritualidade da CPT – a espiritualidade da cruz, do martírio, do Jesus que teve sede, junto com as pessoas crucificadas na história. A CPT está lá, não para ficar na cruz, mas para testemunhar, junto com os povos e comunidades que ‘as forças da morte não vencem as forças da vida’”, destacou Muria Carrijo, documentalista do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc-CPT).
Foto: Júlia Barbosa
A Resistência na luta de classes
“Traga a bandeira de luta, deixa a bandeira passar
Essa é a nossa conduta, vamos unir pra mudar…”
O segundo dia da formação foi dedicado à análise da conjuntura em que se encontra a CPT, um olhar político de reflexão, estudo e debate. Facilitaram o momento o prof. Bruno Lima Rocha, cientista político e pesquisador na Universidade Federal Fluminense (UFF), e Michela Calaça, do Movimento de Mulheres Camponesas e atualmente no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).
A reflexão foi principalmente para um contexto de Brasil entre dois blocos de poder (EUA e China), mas que, mesmo com a mudança para um governo de orientação popular, continua investindo muito mais na produção do agronegócio direcionada para as commodities, com exportação de grãos para a produção de ração para animais, beneficiando o mercado financeiro, enquanto o país está no mapa da fome.
Foto: Carlos Henrique Silva
“Internamente, os desafios são da consolidação de uma direita militante diante de um governo em tensão constante, que mesmo cedendo e beneficiando o agronegócio, precisa sempre negociar com as bancadas do agronegócio, das armas e religiosa conservadora – as bancadas do boi, da bala e dos fariseus”, afirmou o prof. Bruno.
Tânia Maria, agente pastoral da CPT em João Pessoa (PB), também participou de um momento de análise junto com Isidoro Revers (Galego), ex-coordenador nacional da CPT. “O que a gente pode fazer para que a igreja se comprometa, uma vez que ela está cada vez mais apática à situação do campo? Há expressões de padres, até, que dizem que ‘não devemos lutar pela terra, devemos lutar pelo céu’, uma linguagem que está se dando dentro das comunidades. A essência da Pastoral da Terra é levar a esperança evangélica para o povo camponês, a mulher e o homem camponeses”, afirmou Tânia.
Foto: Everton Antunes
A Profecia: denúncia e anúncio a partir do olhar teológico
“No Egito, antigamente, no meio da escravidão,
Deus libertou o seu povo, hoje ele passa de novo
Gritando a libertação!”
O último dia de formação contou com uma análise teológica e profética da caminhada da CPT, iniciando com apresentação da análise feita pelo educador popular Ranulfo Peloso, na Semana de Formação anterior. O texto traz a história da CPT nesses 49 anos, seu serviço prestado aos povos, seus desafios para “nascer de novo” como entidade relevante na luta junto ao povo de Deus e no cumprimento de sua missão. O momento também contou com a facilitação do assessor Jadir Morais e da pastora e assessora Nancy Cardoso.
Foto: Heloísa Sousa
Em sua análise, Nancy destacou a forte presença das mulheres e juventudes no espaço de formação, e as mudanças nesses 49 anos de CPT. “Pedro Casaldáliga, citando santo Agostinho, diz: ‘Nós somos o tempo.’ Sejamos o jubileu com toda a nossa vida, um solene ciclo de festividades, celebrando esse ano que temos em comum. Os tempos mudaram, muita coisa mudou, mas nós, irmãos e irmãs, não perdemos o paradigma. Nos atualizamos, mas não perdemos o prumo do que é a CPT. Vamos nos fortalecer junto com os sindicatos, partidos, movimentos, escolas.”
De acordo com Jadir Morais, o desafio para os/as agentes é ouvir e estar com o povo, dialogar com as comunidades, em um trabalho consolidado. “Os próximos 50 anos, como vai ser daqui pra a frente? Nós temos que estar permanentemente reforçando aquilo que é nossa base, aquilo que nos constituiu. Pra a gente saber qual o lado certo, vamos precisar de muita lucidez, clareza, estudo e leitura. Eu não consigo pensar em um(a) agente da CPT que não lê, não estuda, e vou ainda mais longe: precisa ser um pesquisador e pesquisadora”.
Foto: Everton Antunes
A tarde terminou com a apresentação das rodas de conversas formadas por grandes regiões, que refletiram sobre os desafios e rumos aos próximos 50 anos, apontando caminhos que sejam protagonizados e também construídos pelas vozes das mulheres, juventudes e pessoas LGBT+ presentes no campo, mostrando que, fora da luta e da organização popular, não há saída para essa conjuntura.
“Precisamos debater de forma ampla, unindo este contexto com as questões de gênero e raça, valorizando, estimulando e potencializando ainda mais a sabedoria e o fazer dos povos e das comunidades”, afirmou Larissa Rodrigues, agente que integra a coordenação eleita recentemente na CPT Rondônia.
Consagração dos Tambores e envio aos regionais
Foto: Heloísa Sousa
“Eu tava no alto da floresta
Foi quando o tambor me chamou
Ê não bota fumaça, vovó, ê não bota fumaça, vovó
Eu acordei no batuque do tambor…”
Símbolo da cultura e religiosidade maranhense, o tambor também foi escolhido como instrumento para guiar a preparação do V Congresso Nacional e dos 50 anos da CPT. Para celebrar esse início, um ritual no final da tarde marcou a consagração e entrega de 21 pequenos tambores às equipes regionais e à Coordenação Nacional.
Fotos: Heloísa Sousa
Os instrumentos foram produzidos pelo grupo coletivo Coró de Pau, de Goiânia (GO), que desenvolve há mais de 20 anos trabalhos com percussão musical, blocos de percussão de rua, bandas, produções de instrumentos de percussão, entre outras atividades.
“No Maranhão, a gente costuma dizer que o tambor é feito a machado, afinado a fogo e tocado a coice. É algo muito forte e intenso, que remete à ancestralidade e à resistência do povo”, afirmou Raniere Roseira, agente da CPT Maranhão.
Foto: Heloísa Sousa
A Semana de Formação encerrou com energia para uma caminhada rumo aos 50 anos de comprometimento com as causas populares, representada pelo compartilhamento de anéis de tucum e a inspiração da voz de Dom Pedro Casaldáliga.