No sul do Piauí, o agronegócio avança juntamente com o descaso do governo. A região é uma área de avanço de fazendas de soja e compra de terras para especulação de fundos de pensão e grandes empresas
Artigo por Débora Lima*
Desde o início do processo de expansão dos grandes projetos de desenvolvimento no Piauí até os dias atuais os conflitos e a violação dos direitos têm sido rotineiros e alterado os modos de vida das comunidades tradicionais. No ano de 2019, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, o Piauí registrou 18 conflitos por terra, 11 deles somente na região sul.
Nos últimos meses, por consequência da COVID-19, as populações tradicionais do estado estão adotando o isolamento social para garantir que a pandemia não ameace ainda mais suas vidas e territórios. No entanto, os conflitos no campo continuam e reincidem, colocando em risco a vida das comunidades. Somente nesse período de pandemia já foram registrados seis casos, ou seja, metade dos conflitos registrados em 2019, impactando mais de 100 famílias.
Em Gilbués (PI), famílias do território tradicional de Melancias foram surpreendidas com duas retroescavadeiras em maio de 2020 desmatando suas terras. Conforme os moradores, o suposto dono da fazenda Paraíba, vizinha ao território, desmatava para aumentar áreas de pastagem. Em Brejo do Miguel, grileiros locais têm feito assédio frequentes, entrando no território tradicional brejeiro supostamente para desmarcar pontos do imóvel pertencente a Gás Butano. Desde outubro do ano passado a comunidade vem denunciado no Ministério Público a presença de grileiros e de retirada das cercas que delimitam seu território.
No território ribeirinho Chupé e Barra da Lagoa, no município vizinho de Santa Filomena (PI), as famílias têm escutado tiros e rondas próximos às suas casas após ameaças de João Augusto Philippsen em junho de 2020, acompanhado de seu advogado e segurança. Philippsen se declara dono de uma fazenda que se sobrepõe a Chupé e Barra da Lagoa, que resiste a morosidade do Instituto de Terras do Piauí (INTERPI), responsável pelo processo de regularização fundiária no estado.
A comunidade de Salto, no município de Bom Jesus (PI), neste mês de agosto vem sofrendo invasões de grileiros locais e oportunistas após a abertura da Ação Discriminatória em julho de 2020 pelo Instituto de Terras do Piauí, que visa delimitar o território e as famílias que ali estão há mais de 150 anos.
As comunidades necessitam se deslocar até a zona urbana – ou ao município vizinho para realizar Boletins de Ocorrência. Vale ressaltar que nenhum dos territórios tradicionais possuem acesso a transporte público. Nas delegacias, lideranças das comunidades são impedidas de realizar o B.O sem acompanhamento de advogados. É muito comum que policiais afirmem que há falhas no sistema online e negam o direito de registro da ocorrência
As posturas dos órgãos estaduais responsáveis pela questão fundiária vêm compactuando com um governo federal que pouco se preocupa com o meio ambiente. Sem a homologação e reconhecimento de seus territórios, as comunidades tradicionais se tornam alvo de cobiça pelo agronegócio, com práticas de violência para que elas deixem suas terras. Sem medidas de proteção com aquelas e aqueles que cuidam de nossos rios e matas, o sul do Piauí abre espaço para a destruição do Cerrado.
*Débora Lima é doutoranda do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da UNICAMP.
Imagem de derrubada do Cerrado no território Melancias, municipio de Gilbués no Piauí.